terça-feira, 13 de novembro de 2007

Gustavo de Matos Sequeira

Gosto de ti, Alfama!


“Alfama! Andar por lá a horas mortas
numa noite de lua,
quando o luar escorre pelas portas
e se entorna na rua;
quando as empenas e os beirais, artistas
de curvas sombreadas,
se entrecruzam em formas imprevistas
nas pedras das calçadas;
quando o silêncio que se espalha à volta,
e tanto se ama agora,
deixa a imaginação correr à solta
pelos séculos fora;
quando a gente do bairro, recolhida,
nos dá a impressão
de que se vive numa outra vida
e o nosso coração
se aquece mais naquela débil chama
que se está a apagar…
Ah! Que lindo espectáculo o de Alfama
numa noite de luar!
Sente-se toda a febre de Lisboa
naquele casario
sem disciplina, que desceu à toa
a procurar o rio,
e, sem ferir nem magoar, apenas
ansiosa de chegar,
misturou os telhados e as empenas
num jeito de abraçar.
Nas vielas humildes, escadeadas,
onde os olhos se turvam
a pensar nas pobrezas recatadas,
há arcos que se curvam,
amigos bons que por ali se juntam;
são de pedra, mas têm
um coração que sente, e não perguntam
o “quem é?” a ninguém.
Gosto de ti, Alfama; és o mais velho
dos bairros da cidade.
Olha-te bem no Tejo – é o teu espelho.
Retoca com vaidade
as tuas rugas. Elas são a prova
do teu ceptro, acredita.
Não queiras nunca que te façam nova…
Assim é que és bonita.”

Gustavo de Matos Sequeira

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