O ardina.
Miúdo e papel. E tinta. Preta.
Pés descalços, barrete, calça rasgada.
“Olhó Notícias e Século!”.
Manhã cedo.
O ardina.
Por tostões vendia. Poucos ganhava.
Vida de adulto em corpo de criança. Que não chegou a ser.
Miúdo e papel. E tinta. Preta.
Pés descalços, barrete, calça rasgada.
“Olhó Notícias e Século!”.
Manhã cedo.
O ardina.
Por tostões vendia. Poucos ganhava.
Vida de adulto em corpo de criança. Que não chegou a ser.
4 comentários:
Aquele rapazinho que todas as tardes, ao fim da tarde, anda a vender jornais por entre carros que estão quase a parar, que estão quase a arrancar, na faixa central da Avenida, não repara que a morte lhe passa tangentes constantes. É decerto um rapazinho que ainda não conhece nada da morte, nem mesmo quer saber se ela existe. Sabe-se leve e rápido, sabe que tem bons reflexos. Por isso arrisca. Ao menino e ao borracho, diz o povo. Mas eu lembro-me, sempre que o vejo, sempre que por uma ou por outra razão subo a Avenida dentro de um dos traçadores de tangentes (não quero pensar em secantes), de um conto que li em tempos, porque ai esta nossa cultura livresca... Não sabíamos nada, ainda pouco sabemos, das pessoas vivas, de como elas vivem e lutam, mesmo só aqui, nesta nossa cidade, grande e confusa cabeça do corpo frágil que é Portugal, e vamos recordar um ardina de papel, um rapazinho pequeno encontrado há muitos anos num livro, brasileiro ainda por cima. Era também, salvo erro, um rapazinho numa cidade grande, um menino da periferia, do morro, talvez. Ao que me lembro vendia jornais e pendurava-se nos eléctricos para chegar mais depressa ou talvez por aventura, sim creio que era por aventura, que o fazia. Até ao dia em que caiu e a aventura terminou. Recordo esse ardina dentro de um livro, ao olhar para este, dentro da vida, e a brincar - a brincar? - com a morte, ziguezagueando por entre ela, enquanto apregoa os jornais da tarde. Cuidado menino, estou quase a gritar. Mas nunca vou a tempo. Porque a luz está, de súbito, verde, e ele está, de súbito, longe. Dir-se-á que andam à mesma velocidade, ele e a luz.
Maria Judite de Carvalho. Ardina, 1975
Suspeito que este é o ardina que se encontra defronte à igreja de s. roque, uma das mais simpáticas e amorosas esculturas da cidade de Lisboa.
Não, caro geocrusoe, este está um pouco acima, no Jardim de S.Pedro de Alcântara.
Aquele rapaz que descalso e cuja vida foi tudo menos leve, carregou as noticias boas e más mas principalmente a mentalidade de se tornar um homem, um Grande Homem. E triunfou. Prova disso sou Eu, o seu bisneto, com muito orgulho.
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