“A Inundação”
"O mar invade Lisboa mas por dentro
enquanto o velho enfeita
as filhas dos polícias
e há um vago frio nos olhos
mais dementes
destas tardes.
As crianças vestem
coloridamente
seu mórbido e inesperado
séquito.
Mas nas ruas da Baixa
nota-se uma abundância
palpável
um rio vagamente doloroso
um mar por dentro.
Nas lojas de fazendas
na menina da caixa
no fastio amarfanhado
dos porteiros.
Gotas marítimas notavam-se
no brilho das pulseiras
de uma amante
líquido miúdo mas brilhante
até nas varizes das peixeiras.
Há quem diga do sol
um sol insólito é bem certo
mas nota-se até na cauda dos insectos
piedosas solícitas gotas de humi(l)dade.
O mar invade tudo mas por dentro."
Armando da Silva Carvalho
1965
1 comentário:
Os barcos bruxuleiam ao largo pontuando o manto cerúleo. Emanam trilhos auríficos que fenecem nas areias. Faz-se paz nesta noite morna de azuis transmutados no capitular do dia.
Considero… a felicidade é uma questão de perspectiva. Questionar-me porque me é dada a ventura de aportar, para breve dela me privar, avulta as sombras. Ao invés, ponderar as ausências, ler as partidas enquanto começo do regresso torna a privação promessa de dádiva. E aí, e assim, conjugando as assimetrias, o Universo gere a sua dinâmica e harmonia.
Crescer deve ser isto… aprender a lucidez. Conceber quão mais importante é a geografia interior.
Je suis le héros d’un roman d’apprentissage perpétuel, de rééducation permanente, diz Mathieu Landon.
A vida sucede como destino. Lisboa desce para o Tejo. Uma brisa tépida empurra-me suavemente para o mar. A perfumar os dias. Só posso fechar os olhos, fruir e sorrir.
[escrito meu algo antigo que este poema me fez lembrar. A memória é uma biblioteca]
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